segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

RESSOCIALIZAÇÃO OU CONTROLE SOCIAL

RESSOCIALIZAÇÃO OU CONTROLE SOCIAL:
Uma abordagem crítica da “reintegração social” do sentenciado
Alessandro BARATTA
(Universidade de Saarland, R. F. A.)
Alemanha Federal
Publicado pelo Mestre Victor Insali. Docente da Universidade Lusófona da Guiné-Bissau

1. Construção Teórica

A reforma dos sistemas penitenciários que vimos na metade dos anos 70 (reforma
italiana e/ou alemã ocidental) deu-se sob a influência da ressocialização ou do “tratamento” reeducativo e ressocializador como fim último da pena. Ao mesmo tempo,
como é de conhecimento, a esperança dos especialistas na possibilidade de utilizar o cárcere como lugar e meio de ressocialização foi se perdendo quase que completamente.
Isso devido em parte aos resultados de pesquisas empíricas que apontaram dificuldades
estruturais e aos escassos resultados que a instituição carcerária apresenta quanto a
reabilitação. Uma outra razão seria as transformações ocorridas, na prisão e na
sociedade, nos anos posteriores a reforma.

O surgimento do terrorismo e a reação do Estado, para enfrentar esse fenômeno,
determinaram, em vários países europeus, modificações no regime carcerário e na
política de uso das prisões, que com propriedade levam o nome de “contra-reformas”.
Elas têm alcançado, negativamente, sobretudo os aspectos mais inovadores das
reformas, aqueles que deviam assegurar a abertura das prisões à sociedade (licenças,
trabalhos externos, regime-aberto). As contra-reformas incidiram de tal forma sobre as
reformas que tornaram inoperantes os instrumentos que deveriam facilitar a integração
social do sentenciado. Por outro lado, a criação de presídios de segurança máxima, no
curso da luta contra o terrorismo, tem significado, pelo menos para um setor das
instituições carcerárias, a renúncia explícita dos objetivos de ressocialização e a
reafirmação da função que a prisão sempre teve e continua tendo: a de depósito de
indivíduos isolados do resto da sociedade, neutralizados em sua capacidade de “causar
mal” a ela.

Em contrapartida, a crise do Welfare State, que se espalhou em todo o mundo
ocidental entre os anos 70 e 80, suprimiu boa parte da base material dos recursos
econômicos destinados a sustentar uma política prisional de ressocialização efetiva.
Portanto, hoje assistimos em muitos países, e sobretudo nos Estados Unidos, uma
mudança do discurso oficial sobre a prisão: de prevenção especial positiva (ressocialização) para prevenção especial negativa (neutralização, incapacitação).

Uma parte do discurso oficial e algumas reformas recentes (por exemplo, a nova lei
penitenciária italiana de 1987), demonstram que a teoria do tratamento e da
ressocialização não foi abandonada por completo. A realidade prisional apresenta-se
muito distante daquilo que é necessário para fazer cumprir as funções de ressocialização
e os estudos dos efeitos da cadeia na vida criminal (atestam o alto índice de reincidência) têm invalidados amplamente a hipótese da ressocialização do delinqüente através da prisão. A discussão atual parece centrada em dois pólos: um realista e o outro idealista.

No primeiro caso, o reconhecimento científico de que a prisão não pode ressocializar,
mas unicamente neutralizar; que a pena carcerária para o delinqüente não significa em
absoluto uma oportunidade de reintegração à sociedade, mas um sofrimento imposto
como castigo, se materializa em um argumento para a teoria de que a pena deve
neutralizar o delinqüente e/ou representar o castigo justo para o delito cometido.
Renascem, dessa forma, concepções “absolutas”, compensatórias à pena ou, entre as
teorias “relativas”, se confirma a da prevenção especial negativa.

O reconhecimento do fracasso da prisão como instituição de prevenção especial
positiva conduz, no segundo caso, à afirmação voluntária de uma norma contrafactora, a
qual, não obstante, deve ser considerada como lugar e caminho de ressocialização. Na
realidade, o reconhecimento do aspecto contrafactor da idéia de ressocialização surge, às vezes, na mesma argumentação daqueles que sustentam a nova “ideologia de
tratamento”. Num encontro de criminalistas alemães, ocorrido há alguns anos em
Frankfurt, um dos mais renomados pesquisadores desse país reconhecia francamente o
fracasso, constatado até então, das ações de ressocialização por meio da prisão e
sustentava, ao mesmo tempo, que, apesar disso, era preciso manter a idéia da
ressocialização para não dar cabimento àqueles que advogavam as teorias neoclássicas
e neoliberais da retribuição e da neutralização.

Nesses dois extremos, nos quais se polariza hoje a teoria penal, perpetram-se dois
equívocos iguais e contraditórios entre si. No primeiro caso, na teoria do castigo e/ou
naturalização, comete-se o que a filosofia prática chama de “falácia naturalista”: elevamse os fatos a normas ou deduz-se uma norma dos fatos. No segundo caso, com a nova teoria da ressocialização, incorre-se na “falácia idealista”: apresenta-se uma norma
contrafactora que não pode ser concretizada, uma norma impossível.

Minha opinião é que toda essa discussão não passa de uma falsa questão. Pode-se,
e deve-se, escapar tanto da falácia naturalista quanto da idealista. O ponto de vista de
como encaro o problema da ressocialização, no contexto da criminologia crítica, é aquele que constata -- de forma realista -- o fato de que a prisão não pode produzir resultados úteis para a ressocialização do sentenciado e que, ao contrário, impõe condições negativas a esse objetivo. Apesar disso, a busca da reintegração do sentenciado à sociedade não deve ser abandonada, aliás precisa ser reinterpretada e reconstruída sobre uma base diferente. Isso pressupõe, pelo menos, duas ordens de considerações.

A primeira está relacionada com o conceito sociológico de reintegração social. Não
se pode conseguir a reintegração social do sentenciado através do cumprimento da pena,
entretanto se deve buscá-la apesar dela; ou seja, tornando menos precárias as condições
de vida no cárcere, condições essas que dificultam o alcance dessa reintegração. Sob o
prisma da integração social e ponto de vista do criminoso, a melhor prisão é, sem dúvida, a que não existe. Pesquisas sobre o convívio social na prisão e testes de avaliação elaborados para avaliá-las evidenciam uma ampla sucessão ordenada de coisas diferentes, mas da mesma espécie. Analisando-se os institutos prisionais existentes hoje na Europa e Estados Unidos, eles podem ser dispostos a estimar sua eficácia negativa sobre a oportunidade de reintegração social do sentenciado.

Nenhuma prisão é boa e útil o suficiente para essa finalidade, mas existem algumas
piores do que outras. Estou me referindo a um trabalho de diferenciação valorativa que
parece importante para individualizar políticas de reformas que tornem menos prejudiciais essas instituições à vida futura do sentenciado. Qualquer iniciativa que torne menos dolorosas e danosas à vida na prisão, ainda que ela seja para guardar o preso, deve ser encarada com seriedade quando for realmente inspirada no interesse pelos direitos e destino das pessoas detidas e provenha de uma mudança radical e humanista e não de um reformismo tecnocrático cuja finalidade e funções são as de legitimar através de quaisquer melhoras o conjunto do sistema prisional.

Apesar disso, todo reformismo possui seus limites se não incorpora – à instituição
carcerária -- uma estratégia para minorar o sofrimento a curto e médio prazos e é
libertadora a longo prazo. Para uma política de reintegração social dos autores de delitos, o objetivo imediato não é apenas uma prisão “melhor” mas também e sobretudo menos cárcere. Precisamos considerar seriamente, como política de curto e médio prazos, uma drástica redução da pena, bem como atingir, ao mesmo tempo, o máximo de progresso das possibilidades já existentes do regime carcerário aberto e de real prática e realização dos direitos dos apenados à educação, ao trabalho e à assistência social, e desenvolver cada vez mais essas possibilidades na esfera do legislativo e da administração penitenciária.

Ressaltamos a necessidade da opção pela abertura da prisão à sociedade e, reciprocamente, da sociedade à prisão. Um dos elementos mais negativos das instituições carcerária, de fato, é o isolamento do microcosmo prisional do macrocosmo
social, simbolizado pelos muros e grades. Até que não sejam derrubados, pelo menos
simbolicamente, as chances de “ressocialização” do sentenciado continuarão diminutas.

Não se pode segregar pessoas e, ao mesmo tempo, pretender a sua reintegração.
Todavia, a questão é mais ampla e se relaciona com a concepção de “reintegração
social”, conceito que decididamente preferimos aos de “ressocialização” e “tratamento”. “Tratamento” e “ressocialização” pressupõem uma postura passiva do detento e ativa das instituições: são heranças anacrônicas da velha criminologia positivista que tinha o condenado como um indivíduo anormal e inferior que precisava ser (re)adaptado à sociedade, considerando acriticamente esta como “boa” e aquele como “mau”. Já o entendimento da reintegração social requer a abertura de um processo de comunicação e interação entre a prisão e a sociedade, no qual os cidadãos reclusos se reconheçam na sociedade e esta, por sua vez, se reconheça na prisão.
Os muros da prisão representam uma barreira violenta que separa a sociedade de
uma parte de seus próprios problemas e conflitos. Reintegração social (do condenado) significa, antes da modificação do seu mundo de isolamento, a transformação da sociedade que necessita reassumir sua parte de responsabilidade dos problemas e conflitos em que se encontra “segregada” na prisão. Se verificarmos a população carcerária, sua composição demográfica, veremos que a marginalização é, para a maior parte dos presos, oriunda de um processo secundário de marginalização que intervém em um processo primário. É fato comprovado que a maior parte dos presos procedem de grupos sociais já marginalizados, excluídos da sociedade ativa por causa dos mecanismos de mercado que regulam o mundo do trabalho. A reintegração na sociedade do sentenciado significa, portanto, antes de tudo, corrigir as condições de exclusão social, desses setores, para que conduzi-los a uma vida pós-penitenciária não signifique, simplesmente, como quase sempre acontece, o regresso à reincidência criminal, ou o à marginalização secundária e, a partir daí, uma vez mais, volta à prisão.

A segunda ordem de considerações está relacionada com o entendimento jurídico da reintegração social do preso. Não só não existem chances de sucesso, como sequer
legitimidade jurídica para um trabalho de tratamento, de ressociabilização, se pensada
como dominação do preso. Assim, o detento é visto não como sujeito, mas objeto passível de ações externas a ele, a quais é submetido. Também, nesse caso, a
reinterpretação necessária dos conceitos tradicionais, é uma conseqüência do ponto de
vista geral que foi definido antes como: reintegração, não “por meio da” prisão, mas “ainda que” de sua existência. Isso significa reconstruir integralmente, como direitos do
sentenciado, os conteúdos possíveis de toda atividade que pode ser exercida, apesar das
condições desfavoráveis da prisão que atuam contra o condenado. Portanto, o conceito
de tratamento deve ser redefinido como “benefício”.

O sistema prisional deve, portanto, propiciar aos presos uma série de benefícios que vão desde instrução, inclusive profissional, até assistência médica e psicológica para proporcionar-lhes uma oportunidade de reintegração e não mais como um aspecto da disciplina carcerária – compensando, dessa forma, situações de carência e privação, quase sempre freqüentes na história de vida dos sentenciados, antes de seu ingresso na senda do crime.

Redefinir os conceitos tradicionais de tratamento e ressocialização, em termos do
exercício dos direitos das pessoas presas, e em termos de benefícios e oportunidades de
trabalho --inclusive na sociedade --que são proporcionadas a elas, depois do
cumprimento da pena, por parte das instituições e comunidade, ao nosso ver, constitui um núcleo importante da construção de uma teoria e uma prática novas da reintegração dos apenados, de acordo com uma interpretação dos princípios e das normas constitucionais e internacionais sobre a pena. O outro núcleo é, sem dúvida alguma, a implementação de estratégias e práticas eficazes de efetiva descarcerelização objetivando que se concretizem as condições culturais e políticas que permitam à sociedade “livrar-se da necessidade da prisão”, de acordo com a formulação com a qual se afinam profissionais, técnicos e pensadores da Itália. Indicamos somente alguns dos critérios gerais que podem nortear, segundo nosso ponto de vista, uma criminologia crítica sobre a questão da reintegração do preso ao convívio social.

Parece-nos óbvio que o trabalho da criminologia crítica, nesse campo, não se reduz
a discursos gerais e ocupa-se com os mais diferentes níveis de preocupações e assuntos
concretos, tanto no referente a política de desprisionamento como a dos direitos e
benefícios possíveis de realização no contexto da instituição prisional, enquanto esta
permanecer como castigo. Tal concepção afina-se com um sem número de grupos,
organizações comunitárias e entidades religiosas e laicas que atuam hoje nas prisões e
assistem o detendo depois de cumprida sua pena.

2. A aplicação do programa

A construção teórica que propomos pode ser sintetizada nos dez pontos arrolados a
seguir. Eles evidenciam nossa alternativa à prática tradicional – correspondente a uma
concepção correcional e “técnica” do tratamento e de ressocialização do preso.
Concomitantemente, uma aplicação coerente do princípio da independência funcional da pena/disciplina e reintegração.

a-) Semelhança funcional entre programas dirigidos a sentenciados e ex-sentenciados e os orientados ao ambiente e à estrutura social devemos dedicar um cuidado ainda maior à implementação dos benefícios proporcionados aos condenados e ex-condenados, àquela atenção a tornar mais adequadas as condições de vida na família, na sociedade e à estrutura das relações sociais para onde o apenado regressa. O esforço de reintegração e o trabalho social e político correspondentes se estendem a eles e, por isso, implicam funções, competências e sujeitos não compreendidos no quadro tradicional dos funcionários do sistema penitenciário como um todo. Deve-se promover oportunidades de reinserção “assistida” em outro meio diferente do original. Comprometer os organismos institucionais e comunitários com o trabalho de assegurar a qualificação profissional e a ocupação estável dos ex-presos. Bem como incentivar, na comunidade, a formação de posturas e ações favoráveis à reintegração dos ex-apenados por meio de programas de formação e eventos culturais, debates públicos e reuniões que incluam os detentos e ex-presos.

b-) Presunção de normalidade do preso
É preciso que esqueçamos, por todas suas conseqüências práticas negativas, a concepção patológica – própria da criminologia positivista --sobre o preso. Os programas de reintegração que se preocupam com as necessidades individuais dos sujeitos e urgência de individualização dos serviços precisam ser elaborados calcados no pressusposto teórico de que não existem características específicas de presos, enquanto tais ou tampouco para quem se tenha comprovado a infração; em último e definitivo julgamento (existem infrações provocadas por sujeitos normais e outras feitas por indivíduos tidos com “anomalias”: existem igualmente anomalias precedentes e
subseqüentes à infração).

A única anomalia específica comum, a toda população carcerária, é o estar preso.
Devemos ter isso em conta quando aplicarmos programas e benefícios que objetivam
reduzir o prejuízo. Sabemos, de fato, que a condição carcerária é, por natureza,
desassociabilizadora e pode ser a causa de perturbações psíquicas e de síndromes
específicas. O fato é que o preso não o é por ser diferente, mas é diferente porque está
preso. Os programas e benefícios oferecidos a ele devem ser planejados e
implementados sem interferência alguma do contexto disciplinar da pena. Dessa
perspectiva, os dois pontos de referência do conceito de “tratamento”, por um lado pelo
código penal e de outro pelos programas de ressociabilização e assistência são
submetidos a uma clara diferenciação funcional. No primeiro caso, trata-se de práticas às quais são submetidos o sentenciado e das quais torna-se “objeto”; no segundo – na
redefinição do que defendemos aqui – trata-se de benefícios e oportunidades que se
propiciam e dos quais o preso é o sujeito, no sentido de que seu conteúdo e oferta
dependem de sua necessidade e demanda. A fim de facilitar essa diferenciação funcional, seria louvável uma intervenção semântica: dar nomes diferentes a “coisas” distintas e irreconciliáveis entre si.

c-) Exclusividade do critério objetivo da conduta na determinação do nível disciplinar e à concessão do benefício de redução da pena e à semiliberdade. Irrelevância da suposta “averiguação” do grau de ressocialização ou de “periculosidade”.
A separação estrita entre a punição disciplinar e o programa de reintegração social exige ter em conta critérios específicos, plausíveis e jurídicos à progressão da sentença dos presos, nos diversos benefícios como a redução da pena e a prisão semi-aberta. A decisão a esse respeito, tal como tem sido disposta pela lei de 1986 --na Itália, deve ser de competência do Juiz das Execuções.

Os critérios dessa decisão devem ser objetivos e “jurídicos”. Ou seja, dizer respeito sóa constatação e valoração do comportamento. Deve-se evitar critérios “subjetivos”relacionados à análise e considerações mentais do sentenciado e de sua suposta“periculosidade”. Dessa última, já é conhecida a inconsistência científica, que a tornainidônea para ser utilizada num processo justo.
A homogeneidade e previsibilidade das decisões (um dos problemas atuais da
aplicação da Lei 663 mencionada) dependem, também, do grau de objetividade dos
critérios adotados (pelo legislador e na praxis) nas decisões judiciais sobre a concessão
de benefícios como redução de pena, prisão alberque e a obrigação da prestação de
serviços comunitários.

Faz-se necessário evitar, nesses julgamentos, a introdução e consideração de
elementos relacionados com o gozo dos benefícios, por parte do sentenciado, que devem
ser alheios à concessão da sentença. A lei italiana referida, pelo contrário, adotou uma
postura inversa alinhando-se na mesma direção existente em outras legislações.
Tornar irrelevante os benefícios com a intenção de valorizar o comportamento no
julgamento da sentença e disciplina, parece tirar do condenado a oportunidade de obter
uma “permissão”, é uma forma rigorosa e coerente de evitar distorções e
instrumentalizações na motivação do sentenciado, o mesmo que a confusão entre oferta e imposição (de fato) dos benefícios e entre funções de ordem interna e funções de
reintegração. Sendo um exercício de direito, seu gozo não pode ser objeto de uma
negociação que possa alterar e reduzir o sentido verdadeiro.
Em contrapartida, a avaliação do comportamento do sentenciado, com o intuito de lhe
conceder benefícios, não pode limitar-se a ausência de infrações; mas pode estender-se
a elementos positivos como o trabalho, a prestação de serviços socialmente úteis a
coletividade. Isso significa que nessa fase da decisão judicial, a sentença condenatória
pode transformar-se de troca negativa (infração/pena) em intercâmbio positivo (bom
comportamento/liberdade).

d-) Critérios de realinhamento e diferenciação dos programas, independentemente das classificações tradicionais e de diagnoses “criminológicas” de origem positivista ultrapassando critérios tradicionais de diagnose criminológica e de classificação dos sentenciados, os critérios de seleção e realinhamento devem orientar-se por quatro objetivos:
1-) Facilitar a interação do apenado com a família e sua comunidade;
2-) Reduzir as assimetrias nas relações entre os detidos, tendo em conta a força
relativa do contrato social e de sua vulnerabilidade física e psíquica;
3-) Otimizar as relações pessoais com o intuito de melhorar o clima social da prisão e
de obter espaços amplos de solução coletiva de conflitos e problemas que evitem
soluções violentas e autodestrutivas e
4-) Possibilitar uma diferenciação racional dos programas e benefícios baseados nas
suas (do sentenciado) necessidades e demandas.
A clemência e a possibilidade mesma das decisões segundo esses critérios
dependerão em boa medida da idoneidade das estruturas logísticas e de sua distribuição
territorial.

e-) Extensão simultânea dos programas a toda população carcerária, não distinção entre presos condenados e presos detidos à espera do julgamento.
O princípio da não interferência entre pena/disciplina e reintegração social possibilita a superação das dificuldades e contradições que surgem quando há sobreposição dos dois contextos, a respeito do “tratamento” reservado aos presos já condenados e àqueles a espera do
julgamento definitivo. Se o tratamento é redefinido em termos de benefícios e do livre
exercício de direitos, não haverá, então, motivo para se continuar excluindo o segundo grupo (que como se sabe é o mais numeroso) da possibilidade do usufruto deles. Os programas poderiam diferenciar-se considerando-se as necessidades e demanda, independentemente da “grande divisão”.

f-) Alcance diacrônico dos programas. Continuidade das etapas na e pós-prisão.
Se os programas e benefícios são independentes do contexto punitivo/disciplinar, seuconteúdo não necessita nem admite divisões rígidas nem soluções de continuidade relativas a condição de sentenciado ou de ex-condenado quanto a seus direitos. Onde fosse possível, os sentenciados poderiam eventualmente trabalhar em pequenos hospitais e em outros programas fora da prisão, que permitiria uma concentração e o deslocamento dela e facilitaria, ao mesmo tempo, a passagem do sentenciado a prisão à vida e à assistência pós-prisão.
A continuidade estrutural dos programas nas duas etapas é, por sua vez, um fator
integrante de abertura recíproca e de interação entre a prisão e a sociedade, de
superação das rígidas barreiras estruturais entre as funções. No fim, ela é um momento
de mediação entre as duas dimensões da reintegração social: uma dirigida aos presos e
ex-detidos e a outra ao meio e estrutura social.

g-) Relações simétricas das funções
Um dos erros mais notáveis dos benefícios de reintegração e de assistência na prisão
e a pouca valorização da personalidade e demanda do sentenciado, da mesma forma
como a assimetria de poder e de iniciativa que caracteriza a interação entre operadores e
clientes. Isso como resultado da interferência do contexto penal-disciplinar com os
programas de assistência e de reintegração social. Essa interferência impõe aos
programas um quadro autoritário e institucional inadequado à implementação das
concepções pedagógicas e assistenciais mais modernas e avançadas. É muito importante
promover as condições para que a relação usuário/operador se processe como interação
entre sujeitos e não entre portadores de funções assimétricas.

h-) Reciprocidade e rotação das funções
A prisão é também uma comunidade de frustrações que se estende a todos os atores
implicados nas diferentes funções: presos, educadores, psicólogos, assistentes sociais,
agentes penitenciários e administradores. Todos, de alguma maneira, têm sua
personalidade condicionada negativamente pelas contradições da prisão: principalmente
pela contradição fundamental entre “tratamento”/pena e “tratamento”/ressocialização. A
saúde mental dos operadores está tão ameaçada quanto a dos sentenciados, pela
alienação geral que caracteriza as relações entre as pessoas e as funções do mundo
prisional.
Desenvolver, em todas as suas potencialidades, o princípio da simetria entre as
funções, de usuário e operador, é a premissa para criar condições aptas à reciprocidade e
rotação delas. Reciprocidade das funções significa que a interação entre seus agentes se
transforma de funções institucionais em oportunidade de verdadeira comunicação, de
aprendizagem recíproca e, portanto, também, de alívio da perturbação e de libertação das freqüentes síndromes de frustração.

Rotação de funções significa valorizar, mais além das competências profissionais e
das estruturas hierárquicas da organização, as competências e os aportes de cada
ator/sentenciado, operador, administrador para a solução coletiva dos conflitos e
perturbações, a construção de programas e benefícios e a sua implementação, para as
decisões em todos os níveis. Os presos também podem desempenhar funções nos
benefícios no interior e exterior da prisão. Nesse último caso, a reciprocidade das funções se estende para fora dos muros do cárcere. Temos experiências positivas, na Itália, de voluntariado social, que se estende da comunidade para dentro da prisão; mas também temos o contrário que sai da prisão e dirige-se à sociedade externa. Cada ator,
independente do papel e da posição exercida fora e dentro da prisão pode participar no
manejo de espaços para atividades expressivas e recreativas, direcionadas ao interior e
exterior da prisão, ou também desfrutar como participante.
Fomentar a realização do princípio de reciprocidade e da rotação de funções significa
também incrementar a democratização da vida carcerária e, ao mesmo tempo, a
interação e abertura recíproca entre prisão e sociedade.

i-). Da anamnésia criminal à anamnésia social. A prisão como oportunidade geral deconhecimento e tomada de consciência da condição humana e das contradições da sociedade.
O mal-estar geral, os conflitos que caracterizam o microcosmos carcerário refletem
fielmente a situação do universo social. O drama carcerário é um aspecto e um espelho
do drama humano. Em outras oportunidades defendi a substituição pelo prisioneiro, em
caráter pedagógico, da anamnésis criminal pela anamnesis social. Isso é para propiciar a
reconstrução da própria história de vida no contexto dos conflitos da sociedade na qual
está inserida. A bondosa finalidade da compensação do “reencontro” consigo mesmo por parte do indivíduo isolado do convívio social (essa finalidade corresponde a origem da concepção celular do cárcere) se queria então substituir pelo reencontro da conexão entre a própria história de vida e o contexto do conflitos na sociedade. A função
ressocializadora ligada a dita finalidade consiste em facilitar, através do desenvolvimento da consciência política, uma atitude diversa daquela reação individualista e de buscas de soluções unicamente expressivas de conflitos estruturais. Superando essas atitudes, a solidariedade com a própria classe, a participação em suas lutas e para fora da prisão e em outros movimentos sociais, permitem reconstruir uma relação com a sociedade diferente da infração individual às suas regras. A anamnésis social da infração e/ou do castigo/sofrimento transforma-se assim, para o sentenciado, numa ocasião para o desenvolvimento de conhecimentos e atitudes que promovem a reintegração social.

Esse processo cognoscitivo pode ser desdobrado a todos os outros atores dentro e
fora da prisão. Da dimensão dessa extensão dependerá o êxito reintegrativo da
anamnésis. Reintegração não é só uma transformação das atitudes e do comportamento
do preso. A infração, a prisão, a condição dos sentenciados são o objeto de uma
anamnesis social de parte, potencialmente de todos. O problema carcerário se transforma em etapa de um processo de conhecimento e tomada de consciência política sobre a questão social. Apenas um sociedade que resolva, pelo menos em um certo grau, os próprios conflitos e que supere a violência estrutural, pode encarar com sucesso o
problema da violência individual e do crime. Só superando a violência estrutural na
sociedade se pode separar a violência institucional do cárcere. A prisão pode transformarse em laboratório de saber social indispensável à emancipação e progresso da sociedade.

j-) Valor absoluto e relativo das funções profissionais. Valorização das funções
técnicas e “destecnização” da questão prisional.
Nesta última parte, vamos analisar todas as conseqüências de uma estratégia de
reintegração social que considera uma paulatina desinstitucionalização do controle da
separação como uma de suas premissas e fins últimos. A continuidade do programa de
intervenção, dentro e fora da prisão, sua dupla direção, dirigida ao sentenciado e a
sociedade, o rodízio das funções, a extensão potencialmente universal das competências
por conhecer, pensar e agir no âmbito de tal estratégia, tudo isso e outros aspectos do
programa possuem uma conseqüência que pode ser identificada sob o termo de
“destecnificação”.
Destecnificação significa, nesse contexto, algo muito diferente daquilo que possamos
pensar como sendo uma “eliminação das funções técnicas” dos trabalhadores
operacionais da prisão. Ao contrário, os princípios da estratégia de reintegração social,
que aqui apresentamos, requerem, como é fácil reconhecer, a valorização do
profissionalismo em todas as funções técnicas da organização prisional e da assistência
pós-carcerária.
Especialmente nos quadros intermediários, dos educadores e assistentes sociais, se
percebe hoje na Itália e em outros países – da Europa e fora dela – um crescente
reconhecimento, não só do nível técnico, mas também do compromisso profissional e civil a respeito da questão carcerária. A supervalorização contemporânea do nível de
profissionalidade e de consciência política produzem um estado de consciência infeliz,
nesses profissionais, mas ao mesmo tempo um positivo desafio para superar uma visão
tecnicista da integração social. A sociedade e o Estado podem responder de forma
diversa a esse desafio. A forma auspiciosa que deve ser promovida é a de encontrar esse
desenvolvimento com o consenso, o apoio e salários adequados. É preciso facilitar a
formação profissional e estimular a continuidade de estudo até a universidade, para
permitir a formação de quadros docentes dos mesmos grupos de pessoas, com o intuito
de que suas experiências possam dar-se cientificamente pelas próprias elites e
reproduzidas em função da melhor formação profissional dos futuros quadros.
Considerações, no mesmo sentido, podem ser reportadas a outros trabalhadores da
organização e administração prisional.
“Destecnificação” significa, então, algo que é compatível com o reconhecimento das
funções técnicas. Ela se vincula a multiplicação das funções profissionais e não
profissionais requeridas pela estratégia da reintegração social aqui proposta e expansão,
potencialmente universal, das competências e dos atores na realidade dessa estratégia.
Nenhuma instituição, nenhum organismo do Estado ou da comunidade, nenhum
cidadão, por princípio, está alheio a ela. Todos podem e são convocados a participar. Por isso, o valor das funções técnicas profissionais e reconhecido em absoluto, mas ao
mesmo tempo surge relativizado, porque as funções técnicas são apenas uma parte da
totalidade das funções e das competências implicadas. Isso quer dizer que as funções
técnicas crescem em valor absoluto e diminuem em valor relativo, na medida em que o
modelo aqui apresentado se realize. Nesse, e só nesse, sentido o modelo é realmente um
modelo de destecnificação. “Destecnificação” não dos profissionais envolvidos, mas da
questão carcerária em si.
A exemplo de outros problemas cruciais de nossa sociedade, que concernem a todos, a questão da prisão e da reintegração social não pode – simplesmente – ser “delegado” ou “reservado” aos técnicos. Sabemos que, no geral, o modelo tecnocrático aplicado aos problemas mais cruciais da sociedade freqüentemente está só na possibilidade de mudar seus objetivos de produzir soluções imaginárias; ou seja, a imagem de soluções, que controla não tanto os problemas como melhor, ao “público” da política e portanto é útil sobretudo à reprodução do “sistema” das relações de poder e da propriedade. A reprodução do sistema é, ao fim, o principal problema para cuja solução é funcional o modelo tecnocrático.

No modelo tecnocrático, o lugar da solução do problema carcerário é, desde o
aparecimento da prisão, a própria prisão: seus instrumentos seguem sendo, com as
“melhoras” de última hora, as técnicas tradicionais da disciplina e do tratamento, nas que a função de ressocialização é sempre sacrificada ou instrumentalizada em favor da ordem interna e da “segurança” externa. Conhecemos a inconsistência dessa solução, que depende também da forma de definir o problema, em função da instituição, em detrimento dos homens, como acontece sempre no modelo tecnocrático.

Se a definirmos nos termos que lhe são próprios e em função dos homens dentro e
fora da prisão, ficará claro que não se pode resolver a questão carcerária aprisionando
pessoas, conservando o cárcere como instituição fechada. Porque o lugar da solução do
problema carcerário é --e diz respeito a --toda a sociedade.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

DA PUNIÇÃO À RESSOCIALIZAÇÃO VISTA SOB UM OLHAR DA SITUAÇÂO DO SISTEM PENITÊNCIÁRIO GUINEENSE

DA PUNIÇÃO À RESSOCIALIZAÇÃO VISTA SOB UM OLHAR DA SITUAÇÂO DO SISTEM PENITÊNCIÁRIO GUINEENSE
Victor INSALI
Docente na Universidade Lusófona da Guiné-Bissau
Cadeira: justiça e Reinserção Social
Promotor Público de Justiça

Ao iniciarmos o curso de direito, adentramos um universo novo, trazendo conosco antigas concepções que nos permitem interpretar o mundo à nossa volta. Dentre estes pré-conceitos, a vinculação de justiça ao poder punitivo do Estado sobre aqueles que violam as regras postas.
Qual o motivo, qual o fundamento originário? Resposta: o bombardeio, a que somos submetidos desde tenras idades, por noticiários que diariamente expõe condutas delituosas, de tal modo que os infratores são facilmente visualizados como inimigos da sociedade, sendo feita justiça com a efetiva punição dos delinqüentes a restrição de garantias constitucionais. Uma relação entre amigo/inimigo, não merecendo o anormal conviver com os normais, ou, pior, devendo receber tratamento desumano para “pagar” pelos seus crimes. Nesse diapasão, a sociedade civil, que inflada pelos meios de comunicação está sempre no afã de ver um endurecimento das leis penais, deve re-pensar a finalidade do direito penal, bem como a situação posterior à imputação e condenação, em que ocorrerá o cumprimento da pena.
No intróito da história ocidental (como bem lembra Tercio Sampaio Ferraz Junior, no seu livro Estudos de Filosofia do Direito, Tania Blixen retrata que os Kikuyus, no Quênia, “não teriam nenhum sentido para as noções de justiça e pena, ao menos no sentido ocidental que elas assumem (...), o dano deve ser indenizado”.Não se encontra, “entre esses primitivos, nenhum ‘olho por olho, dente por dente’. Não há pena no sentido criminal. Apenas num sentido civil”), o direito penal se limitava a punir, representando uma vingança desmedida, sem objetivação alguma que não fosse infligir sofrimento físico-exterior ao criminoso.

A partir do surgimento das instituições disciplinares, e com o alvorecer da sociedade de controle, oparadigma do poder político tornou-se re-situar o indivíduo na sociedade, normalizando-o, padronizando seu comportamento. Percebe-se, assim, que o direito penal, que remetia, apenas e tão-somente, à imputação de uma sanção a uma conduta enquadradada em um tipo penal, passa a almejar um fim social, que seria aressocialização, a normalização. Desse modo, torna-se conditio sine qua non lembrar do filme Laranja Mecânica de Stanley Kubrick para perceber como a punição deixou de significar, de um modo geral, violência física para simbolizar destruição psicológica, fisiológica-interior, na qual um espírito é amputado, com a supressão ou limitação de seus instintos mais básicos, por meio de um método pavloviano, como bem mostrado na cena em que Alex, impassível, é espancado ou mostra-se impotente frente a qualquer desejo carnal.

Destarte fica evidente que nenhum dos atuais fins do direito penal seja o apregoado pela mídia, seja o proposto pelos juristas, foge à simples “fratura binária da sociedade em uma raça e em uma sub-raça”foucaultiana, ou da relação amigo/inimigo schmittiana, que são arcabouços pressupositivos para ambos os escopos penalistas em voga, quais sejam, a ressocialização e a punição.

Nas palavras de Foucault, registradas no livro Em Defesa da Sociedade, quando as instituições e os titulares da norma fazem o discurso da luta de raças, há o funcionamento dessa propagada dicotomia como“princípio de eliminação, segregação e, finalmente, de normalização da sociedade”.

Se antes se punia o corpo, por vezes atingindo-se a alma, atualmente a palavra de ordem é normalizar por meio de instituições para re-inserir. Todavia, mesmo que essa seja a máxima propugnada pelos cultores do direito, a freqüente violação de direitos humanos (pelos países tidos como referência para as emergentes democracias ocidentalizadas) apenas ressalta a punição ainda vigente como política de Estado.

Na Guiné-Bissau, por falta de condições materiais (tais como penitenciárias e casas de detenção amplas, bem equipadas, em quantidade suficiente para abrigar a população carcerária, pessoal capacitado etc.), devido à incapacidade dos poderes manifestamente políticos, vemos o acúmulo de um grande número de presidiários em celas minúsculas, situação comum em todo o país, impossibilitando qualquer tipo de ressocialização.

Apesar da doutrina garantista ser ensinada nas Faculdades de Direito, não existem condições reais, neste momento, em nosso país, para que se concretizem todas as proposições humanizadoras advindas de penalistas com maior discernimento dos problemas sociais que afligem a sociedade guineense. Devemos, dessa forma, lutar por políticas públicas que instaurem um passo além da punição, colocando em prática um direito penal mais humano, retirando-o do campo estritamente teórico.Mesmo buscando a efetivação do re-socializar, não podemos fugir da problemática: a re-socialização não seria, também, um reflexo da relação amigo/inimigo? Sim. É inconteste que em todas as sociedades existe a distinção amigo/inimigo, inerentemente à condição humana, conforme Carl Schmitt. Unimo-nos em grupos justamente porque enxergamos semelhantes e nos afastamos daqueles que vemos como diferentes. Entretanto, a diferença entre os dois supracitados fins do direito penal reside no fato de que na ressocialização o diferente é visto como alguém que pode ser re-inserido (embora quem tenha passado pelo sistema carcerário seja estigmatizado pela sociedade civil), enquanto que com a punição há o escopo de impingir sofrimento. Ambos constituem a imposição de uma violência, no entanto aquela que se mostra menos desumana,“jusnaturalistamente”, é a ressocialização.

Assim, primeiramente, dentre dois objetivos diversos para aplicar-se o direito penal, deve-se adotar aquele que possibilita uma nova chance para o delinqüente, ou seja, a ressocialização como fim primeiro do penalismo. Em um segundo momento, já visando garantir uma re-inserção, far-se-á necessário possibilitar meios para que o indivíduo consiga se aprimorar profissionalmente e intelectualmente dentro do cárcere. Ou seja, o caminho a ser trilhado já existe, basta apenas a adoção pelos políticos de algum modus operandi que seja eficiente e isento de qualquer vinculação a uma ideologia do direito penal máximo pregado pelos meios de comunicação, pois, até o momento, impera o caos da mídia, da ineficiência administrativa e da desumanização do direito.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

CURRICULUM VITAE

CURRICULUM VITAE
Victor Insali
Maitrise en Droit Publique a L’ université Fedérale de Bahia-UFBA, dans le domaine Droits Humains. Diplomé en Droit Banquier et Lincencié par la Faculté de Droit de Bissau. Bachelier en Histoire/Geographie par L’école Narmal Superieur “Tchico Té” et Delequé du Procureur Général de la République.

Donnés personnels
Nom et prénom
Victor Insali
Nom et citations bibliographie
INSALI, Victor
Sexe
Masculin

Adresse profissionnel
Procureur-Général de la Republique de Guiné-Bissau

Formation academique
2010
Maitrise en Droit Publique a L’université Féderale de Bahia- UFBA, Brésil. Titre: La Protection des Droits et Libertés Fondamantaux dans la Charte africaine des droits de l’homme et des peuples.

2007
Diplomé en Droit Banquier de la Faculté de Droit de Bissau.

2003
Licencié en Faculté de Droit de Bissau.

1989 - 1991
11 e année Lycée National Kwame Nkrumah.

1980- 1989
École primaire et secondaire.

Action profissionnel

Procureur général de la République de Guiné-Bissau.

Contrat institutionnel
2006 – Actuel
contrat
Delegué du Procureur géneral de la Republique– Avocat d’état.

Professeur des notions fondamentales de droit et de justice et reinsertion social à l’université Lusophone de Guinéé-Bissau.

Autres informations
Professeur d’histoire à l’ université Colinas de Boé.
Professeur d’histoire au lycée 23 janvier de 1994 en 2005

Domaine d’activité
1.
Scéance sociale appliquée. Zone: Droit. Sous zone: Droit publique/spécialité: Droits Humains.

Langues
Portugais Lire, écrire, parlé bonne maitrise.
Français
Lire, écrire, parlé.

Production en C,T & A
Production bibliographique
Articles complet publié en périodique/ journal
1.
INSALI, Victor: Relations internationales, pouvoir et politique en Afrique. Journal Atarde p. 12,Brasil, 2009.

2.
INSALI, Victor: Accés a la Justice et á l’ordenement Juridique guinéen. En voie de publication par l’édition juspovin dans une collection de articles de droit processus civil-Brésil.

Événements

Participation aux événements

1.
Discours subordonné au thème: la protection des droits et libertés fondamantaux dans la charte africaine des droits de l’homme et des peuples dans lèvénement promulgué en cours de droit au centre universitaire Jorge Amado-Brésil du 11 e 12 de Mars 2010 avec charge horaire de 6 heures.
2.
IIIª Semaine d’Afrique: Dinamiques sociales, politiques et culturelles dans la contemporainité realisée par les étudiants africains et afro-brésiliéns d’université Federale de Bahia-UFBA au CEAO- Centre d’études Afro-Orientale et à la Faculté de Economie d’ UFBA, 2009.
3.
Symposiun International de Constitution, Société, démocratie-Brésil 1988-Allemagne-1989, realisé à l’ouditoire Raul Chaves de la faculté de droit de lúniversité federale Bahia (UFBA), 2009 charge horaire de 15 Heures.
4
Coloque à l’effectivité des Droits Fondamentaux de Mercosul e en Union Européenne. 2008.
5.
XVII ème rendez-vous préparatoire pour le congrés national de COMPEDI-Conseeil National de Recharge et maitrise en droit-salvador 2008 – Bahia, charge horaire de 16 heures.
6.
Ie Congrés Mondial de Bio-éthique et droit Animal 2008 UFBA. Discours subordonné au théme: La tutelle juridique des animaux.

E-mail: insalivictor@hotmail.com
manovicky@yahoo.com.br

Téléphone: (+245) 542 80 34

Bissau, 15 de Juin de 2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE HANS-GEORG GADAMER E OS SEUS CRITÉRIOS ADOTADOS NA ELABORAÇÃO DA COMPREENSÃO TEXTUAL: HISTORICIDADE, PROCESSO DIALÓGICO E


UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE DIREITO
MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO
HERMENÊUTICA



VICTOR INSALI

A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE HANS-GEORG GADAMER E OS SEUS CRITÉRIOS ADOTADOS NA ELABORAÇÃO DA COMPREENSÃO TEXTUAL: HISTORICIDADE, PROCESSO DIALÓGICO E LINGUISTICIDADE.


Salvador
2010

Trabalho solicitado pelo Professor Doutor Paulo Pimenta, como requisito parcial para a avaliação da disciplina Hermenêutica Jurídica no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia.


Victor INSALI*[1]

RESUMO

A abordagem aqui elaborada perseguiu o desejo de compreender a concepção de Gadamer sobre hermenêutica. Isto se perpassou pelas questões centrais da filosofia da ilustração enquanto tradição e também alguns filósofos existencialistas que influenciaram o pensamento do autor como Husserl e Heidegger. Especificamente falando das discussões sobre a hermenêutica enquanto a arte e a técnica de interpretação que tem provocado grandes transformações nas pesquisas filosóficas da contemporaneidade. Aqui se insere a hermenêutica como linguagem de Gadamer. É na linguagem que elementos como historicidade e dialogicidade se unem possibilitando a comunicação entre falantes através da conversação e da tradição. É neste processo que se estabelece o circulo hermenêutico na concepção de Gadamer, estruturado pela cultura e compreendida como mundo dado e também pela pré-compreensão ou preconceito cristalizado pelos conhecimentos elaborados. Vale lembrar que por linguagem, Gadamer concebe como algo que transcende as relações entre pensamento e forma, porque, para ele é nela que a atualização de sentido acontece e passa o texto a ser mais significativo do que o autor. Nestes termos, quanto mais lido o texto ou a obra mais ricas de significações apresentam. É neste movimento que a interpretação passa a ser histórica e socialmente condicionada pela linguagem enquanto instrumento mediador e tradutor de sentidos ou intencionalidades construídos pelo homem em relação.


Palavras-Chave: Hermenêutica, interpretação, compreensão, historicidade, dialogicidade e linguisticidade.



ABSTRACT


The approach here in-depth persecuted the wish of realizing the design of Scythe on the subject of Hermeneutic. This text passes by central questions from Philosophy from illustration while tradition and also some philosophers existentialism what influence the thought of the author I eat Husserl and Heidegger. Specifically speaking from the discussions above the Hermeneutic, while the art and the technique of interpretation that you have aggravated big transformations on the research philosophic from nowadays. Here, Gadamer language is inserted. It´s on language that elements like history and dialog get together, making possible communication among speakers. On this issue that establishes the hermeneutic circle on Gadamer’s conception, structure by culture and understood like a given world and also by pre - apprehension or preconception crystallize bristles knowledge in-depth. Valley remember what for language , Gadamer conceives something which transcends the relations among thought and she forms, because , for him is on it what the actualization of grieved become of & currant the text the be most significant than the author. Therefore, regarding read the text or the job is more read, richer of significance it becomes. In this movement what the interpretation currant the be historical and socially conditioned by language while instrument mediator & translator of feelings or intentions built at man in relation to.


Keywords: Hermeneutics, interpretation, understanding, history, dialogue and language.


SUMÁRIO

1-Uma abordagem geral sobre a hermenêutica-------------------------------------------- p.06
1.1-O contributo de Gadamer para a teoria da hermenêutica-------------------------------p. 08
2-A compreensão é resultante da historicidade das coisas ou fatos--------------------------p. 11
3-A dialogicidade como processo da compreensão------------------------------------------p.15
4-A compreensão, por natureza, é lingüística-----------------------------------------------p. 20
5- Gadamer e pragmaticidade da hermenêutica jurídica------------------------------------p.22
6-Considerações finais---------------------------------------------------------------------p. 24
7-Referências----------------------------------------------------------------------------- p. 25


1. UMA ABORDAGEM GERAL SOBRE A HERMENÊUTICA

A hermenêutica tem seus registros históricos mais remotos no âmbito da mitologia grega como à questão da interpretação que até hoje tem inquietado os pesquisadores sobre a temática. Com efeito, é ao deus Hermes que incumbia de “transmitir as mensagens dos deuses aos mortais”. A ele cabia a função de fundir os horizontes compreensivos de dois mundos, objetivo e subjetivo.
Está assim posto a questão do exercício do interprete e a interpretação como problema central. Em outras palavras, a hermenêutica é assim compreendida como conhecimento humano que tem como meta interpretar verdadeiramente.

Hermes transmitia as mensagens dos Deuses aos mortais, quer isto dizer que, não só as anunciava textualmente, mas agia também como um interprete, tornando as palavras inteligíveis - e significativas-, o que pode obrigar a uma clarificação, num aspecto ou noutro, ou a um comentário adicional. (BLEICHER: 1980, p.23).

Com efeito, é dada a hermenêutica a tarefa de delimitar o sentido do significado exato da palavra, da frase, do texto e, também ir além do que aparece demonstrado na forma gráfica. E também é considerado “como tecnologia para a compreensão correta que converge em três níveis interpretativos”: lingüístico, exegético e competência do texto que carece de interpretação.
Em outras palavras, os níveis interpretativos abordados pela hermenêutica são na ordem de três:
[...], primeiro, para auxiliar as discussões sobre a linguagem do texto (i.e. o vocabulário e a gramática), dando eventualmente origem à filosofia; segundo, para facilitar a exegese da literatura bíblica; e terceiro, para guiar a jurisdição. (BLEICHER: 1980, p.24).

Isto posto, é impossível não fazer considerações em torno da questão da interpretação nos diversos campos de conhecimento. A interpretação literária tem origem na Paidéia grega com seus usos na busca de sentidos nas obras de Homero e outros poetas (é daí que surgem as artes retóricas e poéticas). Em seguida, permanece o problema da interpretação no âmbito da religião configurado em torno da exegese da obra sagrada. No direito a questão se reveste de um sentido ou de “cânone da interpretação efetiva que determina a necessidade de o interprete reconstituir a gênese de um pensamento, lei, etc., e adota a sua formulação as circunstâncias alteradas” (BLEICHER: 1980, p.26). É desta discussão que emerge Emilio Betti com o seu contributo conhecido como circulo hermenêutico, desdobrado em “cânone da totalidade[2] e da coerência significativa”.Retomando a tradição hermenêutica que pautava na filosofia transcendental e do romantismo, Schleiermachr dá o seu contributo ao “questionar as condições da possibilidade da interpretação valida” (BLEICHER: 1980, p.27), e assim apresentou um método de interpretar em que fundava na relação de individualidade e totalidade.
Assim compreende Bleicher:
Os indivíduos são capazes de compreender sem terem de problematizar sua atividade [...]. A experiência de um equivoco e a conseqüente tentativa de evitar a sua repetição reside no âmago da procura da certeza, que culmina na formulação de uma hermenêutica sistemática por parte de Schleiermacher. (BLEICHER: 1980, p.27).

A este pensamento é que o hermeneuta apresenta sua sistemática fundamental da interpretação gramatical e psicológica. Para a interpretação gramatical, o ponto central de referência é “o campo de linguagem partilhado pelo autor e pelo seu público inicial (p.28). Enquanto que a interpretação psicológica deve levar em consideração o sentido da palavra e a sua coexistência com as palavras que a rodeiam” (p.27). Este cânone da interpretação psicológica estrutura o seu sentido em torno da “investigação do aparecimento do pensamento dentro da totalidade da vida do autor” (p.28).
Foi à razão primeira de se afirmar que, emerso em um conhecimento histórico e lingüístico adequado, é dado ao interprete a possibilidade de compreender melhor o autor do que este compreendeu a si próprio.

Com efeito, Schleiermacher além de respeitar a hermenêutica sistematizada, generalizada em seus métodos de interpretação, completa a exegese gramatical com a interpretação psicológica ou divinatória e também se percebe que é a primeira tentativa de analisar o processo de compreensão e investigação das possibilidades e limites da própria interpretação.
A discussão referente à hermenêutica considerada como “arte e ciência que procura encontrar e reconstruir o ato criador original” (p.29), tem conotação de metodologia. Ou seja, a pergunta que se fazia era como interpretar? O que foi produzido foi uma multiplicidade de regras para interpretar literatura, livros sagrados e leis ou ordenamentos jurídicos e suas aplicabilidades práticas.

1.1-CONTRIBUTO DE GADAMER PARA A TEORIA HERMENÊUTICA

Herdeiro de uma tradição hermenêutica que investigava modos interpretativos e aluno de Heidegger que defendia a interpretação como algo que tem suas raízes com a tradição e com a cultura, ou mesmo no mundo dado e constituído, Gadamer aborda a questão da interpretação pelo prisma da reflexão filosófica, caracterizado como uma “ontologia regional”, ou seja, a interpretação não é algo pessoal e absoluta, mas sim um algo que se elabora levando-se em consideração elementos culturais, lingüísticos e históricos, para que se busque um sentido satisfatório e convincente de textos ou de obras de arte.

Na sua obra Verdade e Método, considerada como as grandes linhas de uma hermenêutica filosófica, Gadamer aborda o problema da verdade numa perspectiva não cientifica, querendo demonstrar que a verdade pode ser garantida a partir da arte e também “constatando que a consciência estética não deve ser separada da consciência histórica”. (HUISMAN: 2000, p.565).

Verifica-se que de certa forma há uma ruptura com o pensamento moderno, de orientação cientificista que afirma a verdade quando buscada através do uso dos cânones da ciência.
A analise da experiência de verdade revelada pala arte permite descobrir o modelo que tem valor para toda a experiência histórica. A descoberta de uma obra de arte é um fato histórico que pertence à história. (HUISMAN: 2000, p.565).

Exprime desta forma que a consciência da determinação histórica, perpassada pela linguagem é que permite dar vida as obras do passado. Isto, porque, a linguagem é um elemento insubstituível da experiência do homem e não um simples instrumento do pensamento. Esta demonstração tem suas repercussões em todas as formas de conhecimentos humanos uma vez que , filosoficamente falando, tem o autor a consideração de universalidade das suas formas discursivas.

Para Gadamer, os preconceitos estão presentes em todos os entendimentos. Contra as reivindicações do Iluminismo de que a razão separada da perspectiva histórica e cultural, apresenta um teste para a verdade, Gadamer, alega que nós estamos irremediavelmente incrustados na linguagem e na cultura - e que o escape para uma certeza clara através do método racional é uma idéia absurda. (LAWN: 2007, P12).

Com efeito, o autor além de compreender o método usado pela tradição iluminista, amplia o âmbito de atuação, ao inserir verdades postas pela arte mediada por uma consciência estética que se agrega a uma consciência histórica. Com isso, afirma que o entendimento é hermenêutico. Considerando hermenêutica como a variável do conhecimento que lida com a interpretação e também como arte de ler corretamente e de interpretar de forma exata os textos antigos. Portanto, a hermenêutica nas mãos Gadamer se configura num procedimento mais abrangente denominado por circulo hermenêutico. Que em outros termos refere-se ao constante movimento de rotação entre uma parte de um texto e o seu significado total - quando fazemos sentido de um fragmento de texto estamos simultaneamente interpretando o texto na sua totalidade.

Em seu livro Verdade e Método, “verdade não é um método, mas aquilo que acontece no diálogo e, atos de interpretação são dialógicos, uma conversação constante dentro da tradição”. (LAWN: 2007, p.13). Por diálogo remete-se a importância dada à tradição grega por Gadamer, especialmente a dialética platônica[3] que considera “um modelo de saber ancorado na historicidade e na finitude da existência”. (HUISMAN: 2000, p.418).

É notório o método de sempre revisar as justificativas elaboradas por filósofos anteriores ao período de vida do filosófo com o intuito de perceber as lacunas do seu pensamento e tentar ajustá-las a uma realidade mais próxima do sentido histórico dos contemporâneos. Esta verdade está presente em todas as posturas dos pensadores ao retomar o passado e dar um salto através de suas argumentações em forma de teoria. Gadamer faz esse percurso ao adotar o método de releitura da tradição filosófica, demonstrando as fragilidades do pensamento iluminista que firmava pelo método da cientificidade como o único e exclusivo meio de se chegar à verdade, enquanto que refutando essa idéia afirma que há outros mecanismos em que a verdade se estabelece que está além das fronteiras da racionalidade metodificada

Portanto, ao refletir sobre a modernidade, enquanto momento histórico da filosofia que exaltava a verdade cientifica fundamentada no método racionalista e, ao ampliar a concepção de verdade além de idéias como gosto e bonito ou belo, a interpretação toma, desde então uma nova configuração filosófica, ao colocar na questão da interpretação elementos como a tradição, cultura, linguagem como fundantes de preconceitos e estruturantes da circularidade interpretativa entre o autor e fruídor de um texto ou obra de arte. Em outras palavras, enfatizando o método dialógico grego, garante a historicidade das verdades de toda e qualquer forma de conhecimento.

2. A COMPREENSÃO É RESULTANTE DA HISTORICIDADE DAS COISAS OU FATOS.

O homem como ser histórico estrutura a sua consciência a partir das dimensões que a própria história possibilita o seu pensar, ou seja, porque a história trabalha com fatos e fatos por sua vez retratam a ação humana em sociedade. É nessa sociedade que valores morais, éticos ou estéticos, políticos e ideológicos vão se configurando de tal forma que repercutem na consciência do indivíduo na quele momento histórico em que existe ou vive.

A argumentação de Gadamer sobre a compreensão tem sua sustentação lógica a partir da idéia de circulo hermenêutico da compreensão que, por sua vez tem seus antecedentes históricos em Heidegger, com sua concepção sobre a “pré-estrutura da compreensão”, e, também na Tonica de Bultmann na “compreensão prévia”. Isto porque a pré-estrutura da compreensão de Heidegger está em uma concretude lógica, a compreensão prévia de Bultmann possibilita um alargamento da concepção de interpretação. É deste intermédio entre Heidegger e Bultmann que emerge a idéia de preconceito que constitui o horizonte da compreensão, uma vez que para Gadamer toda a compreensão é preconceituosa. Com efeito, por circulo hermenêutico entende-se como “uma condição ontológica da compreensão; parte de uma situação comum que nos liga a tradição em geral e a do nosso objeto em particular; estabelece uma ligação entre finalidade e universalidade e entre teoria e práxis”. (BLEICHER: 1980, p.358).

Por ontologia, que naturalmente pertence à família da expressão citada anteriormente- “ontologia da compreensão”, tem correlação próxima com idéias que se supõe uma situação cultural determinada em que o saber já se tenha organizado e dividido em diversas ciências, relativamente independentes e capazes de exigir a determinação de suas inter-relações e sua integração com base no fundamento comum. Genericamente falando é o que se pode conceber sobre a expressão ontologia da compreensão. Por outro lado, a segunda citação, sobre círculo hermenêutico, a interpretação é dada como efeito de uma união entre tradição e particularidade do leitor. Ou seja, o círculo hermenêutico está compreendido primeiramente por uma compreensão da quilo que a tradição legou aos seus pôsteres e capacidade interpretativa do leitor.

Na terceira citação de Bleicher, sobre círculo hermenêutico, a compreensão está mediada entre uma teleologia ou finalidade com um princípio de universalidade manifesto entre dimensão subjetiva (teoria) e uma dimensão objetiva (práxis). Com efeito, estes termos possibilitam uma compreensão do que Gadamer determinou como compreender algo.

Entretanto, como se disse inicialmente que o círculo hermenêutico tem seus pressupostos metodológicos nos termos “pré-estrutura da compreensão” e “compreensão prévia”. Ao primeiro, assim compreende Bleicher (1980, p.357): “base do círculo hermenêutico que se apresenta como vor-babe (ter-prévio), vor-sicht (visão-prévia) e vor-griff (concepção-prévia)”.

É notório além da expressão círculo hermenêutico, os três elementos que garantem a idéia da circularidade compreensiva tais como: ter, visão e concepção previamente determinadas pela história, pela cultura e essencialmente pela linguagem. Nesta mesma linha de raciocínio, entende-se o mesmo comentador citado anteriormente que por compreensão prévia deve-se entender como:

Uma relação de vida com um tema de um texto, como condição prévia de qualquer interpretação; todas as observações se constituem através da organização prévia da nossa experiência (na ciência natural as experiências são veiculadas pelas teorias existentes; nas ciências humanas, pelo conhecimento das coisas que trazemos conosco do nosso quotidiano); a intencionalidade do horizonte (Husserl). (BLEICHER: 1980, p.358).

Por esta exposição em torno da busca do sentido dado ao círculo hermenêutico de Gadamer, a interpretação é resultante de um trabalho humano fundamentado em uma pré-estrutura e também numa compreensão prévia que radica a vontade do interprete e também ao conhecimento que devota à compreensão. Com efeito, Gadamer dimencionou a compreensão à questão da intencionalidade já discutida por Husserl na fenomenologia que se funda nos limites da objetividade das coisas e dos fatos.

[...]: O clássico é uma verdadeira categoria histórica por ser mais do que o conceito de uma época ou o conceito histórico de um estilo, sem que por isso pretenda ser uma idéia de valor supra-histórico. Não designa uma qualidade que deve ser atribuída a determinados fenômenos históricos, mas, sim, um modo característico de um ser histórico, a realização histórica da conservação que, numa confirmação constantemente renovada, torna possível existência de algo verdadeiro. (GADAMER: 1997, p.430-431).

O que Gadamer afirma possivelmente na citação anterior à existência do algo verdadeiro, utilizando a idéia do clássico como estilo, é um modo de demonstrar o movimento histórico da elaboração de justificação e explicação de sentidos fundamentados, essencialmente, na dialética que dinamiza a compreensão e interpretação dos textos por especialistas ou mesmo profissionais, cientistas em todo e qualquer ramo de atividade seja ela intelectual ou não. E, em outras palavras na realidade histórica que a consciência histórica continua pertencendo e submetida.

Fica mais evidenciada a maneira que Gadamer compreende a interpretação no contexto da cultura e da linguagem enquanto produto intelectual da própria cultura afirmando que:

O compreender deve ser pensado menos como uma ação da subjetividade do que como um retroceder que penetra em um anteceder da tradição, no qual é o que tem de fazer-se ouvir na teoria hermenêutica, demasiado dominada pela idéia de um procedimento, de um método. (GADAMER: 1997, p.435-436).

Ou seja, o sentido é dado pelo que está posto e vivenciado ou experienciado pelo homem em seu momento histórico e na sua sociedade, como também na cultura sem, contudo, perder de vista os liames compreensivos do que foi deixado pela tradição.
Mas precisamente a compreensão com suas características fundamentadas no princípio da historicidade que, por sua vez interdependendo da pré-compreensão e da pré-estrutura de si próprio, é assim configurada por Gadamer a partir da idéia de círculo hermenêutico ou:
O movimento da compreensão que vai constantemente do todo a parte e deste ao todo. A tarefa é ampliar a unidade de sentido compreendido em círculos concêntricos. O critério correspondente para a correção da compreensão é sempre a concordância de cada particularidade com o todo. (GADAMER: 1997, p.436).

A dinâmica da compreensão tem como princípio a visão do todo e de partes que interpenetram na concessão de dados para elaboração de sentidos. A isto é que está compreendida a tarefa de buscar a coerência do sentido verdadeiro através do legado cultural e o metamorfosear dos fenômenos em dado espaço e uma dada temporalidade, ou em outras palavras na finitude existencial do ser. É o que Gadamer mesmo diz que “a hermenêutica sempre se propôs como tarefa restabelecer o entendimento inalterado ou inexistente”. (GADAMER: 1997, p.438).

Com efeito, o círculo hermenêutico descreve a compreensão como a interpretação do movimento da tradição e do movimento do interprete, a isto Gadamer convencionou como “concepção prévia da perfeição” que quer dizer que somente é compreensível o que apresenta uma unidade perfeita de sentido.

Reportando a tradição filosófica, especificamente falando do iluminismo de Hegel, Gadamer confirma que essas maneiras de se interpretar reduzem a capacidade do interprete ao cânone da razão. Entretanto, a partir da sua compreensão hermenêutica fundamentada na historicidade e na temporalidade, os limites da interpretação têm de ao infinito, uma vez que o texto é algo aberto e possível de infinitas possibilidades de interpretação. Sendo essas interpretações nada mais nada menos que a fusão de horizontes compreensivos. Afirma também que um texto adquire a sua consciência dentro do processo histórico e que quanto tempo existir um texto mais possibilidades de sentidos são agregados. Porque o texto em si adquire seu estatuto de algo autônomo e sendo propriedade de todo e qualquer interprete.

3. A DIALOGICIDADE COMO PROCESSO DA COMPREENSÃO

Por dialogo, dentro da reflexão filosófica é entendida como uma forma típica de conversação, de perguntas e respostas entre pessoas unidas pelo interesse comum da busca. É deste caráter de conjunto na busca de algo que os gregos assim o conceberam.

A presença do diálogo está na base do método dialético criado por Sócrates ao levar o interlocutor de um estado de convencimento de possuidor de uma verdade absoluta a um estado de lucidez mental de que o seu saber não passava de meros consensos entre especialistas. Sócrates usava a ironia para repercutir mais tarde em estado novo de ser ou compreender, plenificado através da efetividade da sua maieutica ou parto das idéias.

Resgatando esta tradição, Gadamer apresenta a hermenêutica da dialogicidade como critério para se compreender o texto ou a obra de arte no que ele entende por circulo hermenêutico e também por fusão de horizontes interpretativos. A experiência hermenêutica não é monológica, como a ciência, nem dialética como a história universal de Hegel. (BLEICHER: 1980, p.160).

Nesta passagem está subentendido uma contra posição entre o iluminismo, com sua exaltação a razão e a sua posição em relação ‘ concepção de interpretação como algo que se estabelece pelo diálogo, pelo confronto de opiniões, pensamento, discursos em busca de uma compreensão nova. Nestes termos ele refuta a proposta iluminista de querer crivar todo e qualquer preconceito a luz da razão e também da atitude romântica feita de fé na autoridade.

A experiência é da ciência e não está na historicidade interna. Gadamer analisando o conceito de experiência percebe-se que ela foi elaborada dentro de uma tradição que sempre levou em consideração um dado critério que vem permeado de toda a história do pensamento ocidental. Percebe-se isto ao ler um texto as referencias que são feitas desde Esquilo, Platão, Aristóteles, Plutarco e Bacon. Com efeito, o conceito de experiência tem uma teleologia que distancia da experiência percebida fora dos cânones da ciência. É nesta lacuna que Gadamer se prende tentando supri-la pelo uso da temporalidade e de históridade da experiência. Ao referir-se a Aristóteles com sua maneira de logicisar a experiência, Gadamer se posiciona como um crítico pertinaz ao dizer que os métodos de indução e dedução lógicos são limitados para traduzirem um sentido pleno da experiência. Nisto subentende-se todo o rastro de pensadores que elaboraram suas interpretações de mundo no modo Aristotélica de conceber o mundo e das coisas.

Ao analisar a essência da experiência hermenêutica, Gadamer percebe que mesmo com todo o arquebouço metodológico característico das elaborações teóricas e conceituais, passados pelo crívo do conceito enquanto ferramenta da filosofia, ela reveste-se de caráter interpretativo de forma parcial da consciência enquanto tal. Com efeito, para o pensador a essência da experiência hermenêutica é um segundo momento de compreender e aprender sentidos parciais da experiência usada metodologicamente na ciência, fato que não dá conta do real sentido de consciência desprovida de preconceitos.
A experiência ensina a reconhecer o que é real, conhecer o que é vem a ser, pois o autêntico resultado de toda experiência e de todo querer em geral. Mas o que não é, neste caso, isto ou aquilo, mas o que já não pode ser revogado. (GADAMER: 2002, p.527).

A verdadeira experiência é aquela na qual o homem se torna consciente de sua finitude. Nela, o poder fazer e a autoconsciência de uma razão planificadora encontram seu limite.
Reconhecer o que é não quer dizer aqui conhecer o que há num momento, mas perceber os limites dentro dos quais ainda há possibilidade de futuro para as expectativas e os planos: ou, mais fundamentalmente, que toda expectativa e toda planificação dos seres finitos é, por sua vez, finita e limitada. A verdadeira experiência é assim experiência da própria historicidade.

A experiência hermenêutica tem a ver com a tradição. É esta que deve chegar à experiência. Todavia, a tradição não é simplesmente um acontecer que se pode conhecer e dominar pela experiência, mas é linguagem, isto é fala por si mesma, como faz um tu. O tu não é objeto, mas se comporta em relação ao objeto.

Fica claro que a experiência do tu tem de ser especifica, pelo fato de que o tu não é um objeto, mas se comporta ele mesmo com relação a um objeto. Nesse sentido os momentos estruturais da experiência que antes destacamos encontrarão uma modificação. Na medida em que aqui o objeto da experiência tem um mesmo caráter de pessoa, esta experiência é um fenômeno moral, e o é também o saber adquirido nesta experiência, a compreensão do outro. Por isso perseguiremos agora a modificação que sofre a estrutura da experiência, quando é experiência do tu e quando é experiência hermenêutica.

Para Gadamer entender é partipe do processo diálogico ou não há entendimento sem dialogo ou sem fusão de horizontes, o que para ele é o entendimento a comodação do outro. Em outras palavras, na epigrafe, o modelo da dialética platônico na sua obra Verdade e Método, Gadamer ilustra uma hermenêutica a partir de uma releitura radical do diálogo inicial Socrático onde é visto o Sócrates em luta intensa com os principais sofistas da época. Usando os truques do sofismo tanto quanto seus oponentes, ele consegue silenciar muitos dos seus interlocutores revelando assim a fragilidade da verdade e do conhecimento e também as limitações do sofisma.

Gadamer semelhante a Sócrates no âmbito do diálogo não se põe como detentor da verdade, mas como alguém que, emerso em uma tradição, busca pelo diálogo genuíno a verdade. É a figura do facilitador do diálogo e da verdade sendo apenas uma das vozes em uma conversa mais ampla onde todos são participantes e não contestantes. Ou seja, o diálogo enquanto processo de compreensão oferece as condições para a emergência da verdade da voz coletiva da conversação.

Ambos se interessam por um objeto que é colocado diante deles. Tal como uma pessoa procura chegar acordo com o seu parceiro em relação a um objeto, também o interprete compreende o objeto a que o texto se refere... ficando ambos em proveitosa conversa, sobre a influência da verdade do objeto e ligados assim um ao outro numa nova comunidade... [é] a transformação numa comunhão em que deixamos aquilo que éramos. (GADAMER: 2002, p.341-360).

Aí está posto a característica da experiência hermenêutica de Gadamer cabendo ao interprete a tarefa de descobrir a pergunta a que o texto vem dar a resposta, porque compreender a pergunta supõe-se compreender um texto na sua essência. É intermitentemente no confronto da pergunta do interprete com o objeto da interpretação que os horizontes se fundem. É na lógica da pergunta e da resposta que um texto acaba por ser um acontecimento a ser atualizado pela possibilidade histórica da compreensão. Assim, na fusão dos horizontes o sentido limitado e a abertura, tanto do texto como do interprete, é a estrutura que possibilita o surgimento do novo ou das novas possibilidades de sentido.

4. A COMPREENSÃO, POR NATUREZA, É LINGUÍSTICA

Na tradição filosófica, o conceito de linguagem conseguiu configurar sentidos que têm provocado muitas discussões em torno da exata compreensão do seu ser e suas exteriorizações. Em geral, é entendida como o uso de signos intersubjetivos que são os que possibilitam comunicações. Por uso entende-se: 1º possibilidade de escolha (instituição, mutação e correção) dos signos; 2º possibilidade de combinação de tais signos de maneira limitada e receptível.

São, com efeito, destas teses que surgem as várias discussões filosóficas que têm alimentado a filosofia na contemporaneidade. Contudo, é na linguisticidade que Gadamer faz a sua virada ao transformar a filosofia da hermenêutica em filosofia da compreensão, porque para ele a linguagem é a condição primeira para a existência do ser. A sua tese: “o ser que pode ser entendida é linguagem”, traz em seu âmago a objetividade da linguagem que é comunicar. Isto por sua vez transcende a idéia de que a linguagem era considerada o veículo do pensamento.

Para Gadamer, a linguagem é muito mais do que isso, porque é através dela que conseguimos entender a natureza do ser, o que é ser e como relacionamos com ele. Assim também pode ser entendido que a linguagem está em todas as partes e domina completamente nossa visão do mundo. Isto significa que a linguagem esclarece aspetos do ser tornando-o compreensível a consciência humana.

Entender o fenômeno da linguagem para Gadamer é procurar descobrir o que a linguagem é, e tem sido, mesmo que não seja possível permanecer fora dela. (...) Toda experiência é revelada como algo que não pode ser expresso através da linguagem, pois ela também tem estrutura hermenêutica de linguagem. (LAWN: 2007, p.109).
Identificado como seguidor da tradição expressivista da linguagem, a passagem supra representa muito bem que é na linguagem que a compreensão se explicita uma vez que ela traz por natureza a capacidade de ser compreendida, porque é algo comum entre os interlocutores em uma conversação.

Quando o autor tece essas duas considerações em torno da concepção da linguagem de Gadamer está a dizer que nosso universo de ser e conhecer é instrumentalizado pela linguagem. A linguagem traz em si a versatilidade, no âmbito da conversação, usos que correspondem a sentimentos, desejos, necessidades de cada um que conversa, tendo o objetivo comum chegar a um algo, seja ele material ou subjetivo. Por tanto a linguisticidade transcende a “mundaneidade-do-mundo” é a partir desta idéia que conceitos de mundo e meio ambiente passam a ter sentidos contrários em Gadamer.

A conversação é um processo de acordo. Toda verdadeira conversação implica nossa reação frente ao outro, implica deixar realmente espaço para seus pontos de vista e colocar-se no seu lugar, não no sentido de querer compreendê-lo com essa individualidade, mas compreender aquilo que ele diz. (...). Quando o outro é visto realmente como individualidade, como ocorre no diálogo terapêutico ou no interrogatório de um acusado ali não se dá verdadeiramente uma situação de acordo. (GADAMER: 2003, p.499).

A possibilidade de conversação se instala no momento da escuta como recursos fundamentais para se compreender a exposição do outro sem fazer prevalecer o seu ponto de vista. No caso do interprete ou do tradutor o texto para este tem mais significação do que o autor, porque ele é passível de fornecer significações novas ao projetar sobre o texto uma outra e nova luz sobre a temática abordada. Como disse o próprio Gadamer que toda a tradução que leva a sério sua tarefa torna-se mais seria e mais afluente que o original. (GADAMER: 2002’ p.500).

A conversação entre duas pessoas é algo que ninguém pode saber de antemão que poderá sair dali com antecedência. O acordo ou fracasso é como um acontecimento que tem lugar em nós mesmos. Por isso podemos dizer que algo foi uma boa conversação, ou que os astros nos foram favoráveis. A linguagem que ocorre na conversação leva consigo sua própria verdade, isto é, “revela” ou deixa aparecer algo que desde este momento é.

Percebemos que todo este processo é um processo lingüístico. Não é em vão que a verdadeira problemática da compreensão é a tentativa de dominá-la pela arte. O termo hermenêutica pertence tradicionalmente ao âmbito da gramática e da retórica. A linguagem é assim o meio em que se realiza o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa.

Em outras passagens, confirmando a caracterização da linguagem, especificamente falando ao exercício do hermeneuta que traduz ou funde horizontes significativos de compreensão, este tem, muitas vezes, dolorosa consciência da distancia que o separa necessariamente do original. (GADAMER: 2002, p.500).

Com isso demonstra a insuperabilidade da argumentação de quem diz e de quem ouve, porque na conversação como também na tradução o acordo de compreender o outro e tornar comum o que foi dito. É o que vitaliza a relação de falante e de ouvinte, havendo assim uma interlocução mediana pelo instrumento linguagem.
Para Gadamer, o problema da linguagem constitui o tema central de filosofia hermenêutica, porque é o ser como compreensão que se efetiva enquanto tal.

5. GADAMER E PRAGMATICIDADE DA HERMENÊUTICA JURÍDICA

Tecidas essas considerações em torno do processo de interpretação hermenêutico, Gadamer concita a reflexão da prática de interpretação nas ciências das leis ou jurídicas.
[...], O interprete não pretende outra coisa que compreender esse geral, o texto, isto é, compreender o que diz a tradição e o que faz o sentido e o significado do texto. E para compreender isso ele não deve querer ignorar a si mesmo e a situação hermenêutica concreta, na qual se encontra. Está obrigado a relacionar o texto com essa situação si é que quer entender algo nele. (GADAMER: 2002,p.482).

A passagem acima, em si, remete a uma situação pela qual pode se entender que na prática jurídica o interprete da lei deve estar imbuído de um conhecimento prévio da tradição e também da situação em que se defronta para tomar uma decisão sensata. É neste momento que a arte de interpretar se instala ao, sem perder a coerência de sentido deixado pela cultura jurídica, a se posicionar ao deliberar sobre uma situação insensatada, usando como artifício metodológico os recursos da aporia ou, dentro de um leque de possibilidades de deliberações, escolher a mais sensata entre todas. É o que se verifica hoje na prática jurídica.

Quem quiser adaptar adequadamente o sentido de uma lei tem de conhecer também o seu conteúdo de sentido originário. Ele tem de pensar também em termos histórico-jurídicos. (GADAMER: 2002,p.484).
A ênfase dada ao processo de interpretação da lei pressupõe conhecimento da própria lei desde o seu nascimento, das suas transformações ao logo da história e as circunstâncias que o fato, no momento, exige aplicabilidade desta lei. Aqui se verifica o caráter artístico do interprete ao deliberar sensatamente.
Gadamer, assim se põe frente à tarefa do interprete da lei ao mediar a linguagem como instrumento da busca de sentido para interpretar leis.
O caso da hermenêutica jurídica não é, portanto um caso especial, mas está capacitado para desenvolver a hermenêutica histórica todo alcance dos seus problemas e reproduzir assim a velha unidade do problema hermenêutico, na qual o jurista e o teólogo se encontram no filólogo. (GADAMER: 2002,p.488).

Com efeito, a partir do texto é que tanto o jurista como o teólogo ocupam-se de buscar uma interpretação verdadeira do próprio instrumento tendo como elemento principal o jogo de linguagem que ao mesmo tempo em que aparece, esconde o sentido do texto. Pela filosofia, que tem como objeto o sentido etimológico do termo e das situações tanto o teólogo como o jurista desenvolvem este processo intuitivo de buscar sentidos ocultos ou não ditos pela linguagem através da intuição. É neste ponto que Gadamer enfatiza a unidade entre juristas e teólogos nas interpretações dos textos legados pela tradição fundindo horizontes compreensivos que se exterioriza na historicidade e na dialogicidade.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A hermenêutica filosófica de Gadamer demonstra que ao se interpretar três são os elementos que convergem na sua plenitude. Primeiro é a historicidade em que o círculo da interpretação ou hermenêutico se completa tendo na sua estrutura uma pré-estrutura da compreensão, herdada de Bultmann e uma compreensão prévia que possibilita a constituição do horizonte da compreensão. E nesta tónica que Gadamer afirma que toda a interpretação é preconceituosa, porque exprime um conhecimento experienciado da nossa própria historicidade. O outro elemento considerado é o diálogo compreendido como possibilidade de conversação onde a tarefa central do interprete é descobrir a pergunta do texto através da resposta dada pelo próprio texto, assim sendo, compreender um texto é compreender a pergunta e nesta lógica de pergunta e resposta, o texto acaba sendo possibilidade de compreensão e de história. E por terceiro elemento está a linguagem, o mais importante entre os três, pelo fato de mediar tanto o diálogo como a história e por se tornar a obra indefinida uma vez que escape a sua compreensão na forma conceitual. Assim sendo, é pela linguísticidade que as coisas são compreendidas e interpretadas dando possibilidade de conversação e tradução na fusão de horizontes tanto de texto como de obras de arte. E também se pode afirmar que a contribuição fundamental que Gadamer deu a hermenêutica foi transformá-la de filosofia hermenêutica em hermenêutica filosófica centralizando a linguagem na sua argumentação ao dizer que “o ser que pode ser entendido é linguagem” (verdade e método, p.474).

7. REFERÊNCIAS:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 200.

LEICHER, Josef. Hermenêutica contemporânea. Lisboa: Edição 70,1980.

CORETCH, Emerich. Questões fundamentais de hermenêutica. São Paulo: EPU, Ed. da Universidade de São Paulo, 1973.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

------------------------Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

------------------------Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

HUISMAN, Dinis. Dicionário de obras filosóficas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. - (série e compreender).

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
[1] Graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Bissau (FDB), Mestrado em Direito Público (UFBA) e Promotor de Justiça na Guiné-Bissau.

[2] : BETTI, Emilio. La interpretacion de las leyes y actos jurídicos. Madrid: ERDP, S/D, p.34
Relaciona-se às idéias de indivisibilidade e sistematicidade da interpretação que deve ser realizada a partir da correlação entre as partes do todo e entre estas reciprocamente, com vistas a permitir recíproca iluminação entre as partes e o todo na cristalização do sentido. A interpretação deve visar um sentido único e harmônico. Por conta disso, a sua origem comum deve ser capturada e a vontade da qual partir ser compreendida, analisando-se amplamente as partes (como um todo) em que se decompõe sua expressão. Destaca Betti que este cânone, na visão jurídica, resulta na concepção do ordenamento jurídico como um sistema coerente de normas, interdependente e harmônico (Direito Positivo).

[3] A dialética platônica refere-se ao método usado pelo seu mestre Sócrates para despertar no seu interlocutor o estado de consciência de não saber sobre aquilo de que estava convencido pela cultura de ter a posse plena da quele conhecimento. O método iniciava com o uso da ironia: Sócrates inicialmente dava a liberdade de o seu interlocutor falar e assim apresentar as principais teses da discussão. Em seguida o processo de desconstrução da quele saber era elaborado pelo critério da historicidade ou conveniência cultural da quele saber. O interlocutor persuadido e convencido da parcialidade dos seus conhecimentos levava assim ao estado de não saber - característico do homem considerado filosófico (Filia: Amigo; Sofia: sabedoria). É neste estado de plenitude que a maieutica se efetiva. Em grego a palavra maieutica significa partir, fazer nascer idéias. Com efeito, é neste movimento de afirmação e negação, no âmbito da conversação dialógica que se processa a dialética socrática-platónica.

segunda-feira, 29 de março de 2010

RELAÇÕES INTERNACIONAIS, PODER E POLÍTICA NA ÁFRICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE DIREITO
MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO

VICTOR INSALI

IIIª SEMANA AFRICANA

LEMA: Dinâmicas Sociais, Políticas e Culturais na Contemporaneidade.

TEMA: Relações internacionais, poder e política na África.

Salvador
2009

SUMÁRIO:
1-INTRODUÇÃO
2-Relações e política da África no período pré-colonial
3-Relações e política da África no período colonial
4-Relações e política da África no período pós-colonial até hoje
5-Conclusão
6-Referências

Victor INSALI[1]

INTRODUÇÃO

Exmª Presidente da Comissão Organizadora da 3ª Semana da África Drª Artemisa O. Candé Monteiro.

Exmº Coordenador de Mesa Dr. N’djaiye

Exmoº Dr.Ricardino Teixeira

Exmoº Lamine Faye Ministro da Diáspora do Senegal

Exmoº Dr. Lívio Sansone

Caros Convidados

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Permitam-me agradecer em primeiro lugar a comissão organizadora deste evento pelo empenho e dedicação na materialização deste magno evento que para nós estudantes africanos aqui presentes tem um simbolismo histórico especial.

25 de Maio hoje Comemorado representa para nós africanos uma data histórica na luta contra o colonialismo em África. Celebramos hoje 46 anos da criação da Organização[2] da Unidade Africana (OUA), criada em 1963, em Addis Abeba (Etiópia). Hoje a OUA foi substituída pela União Africana a 9 de Julho de 2002. Esta organização jogou um papel decisivo na luta pela descolonização da África como podemos ver nos seus objetivos previstos na sua Carta.

·Promover a unidade e solidariedade entre os Estados africanos;

·Coordenar e intensificar a cooperação entre os Estados africanos, no sentido de atingir uma vida melhor para os povos da África;

·Defender a soberania, integridade territorial e independência dos Estados africanos;
·Erradicar todas as formas de colonialismo da África;

·Promover a Cooperação Internacional, respeitando a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos;
·Coordenar e harmonizar as políticas dos Estados membros nas esferas políticas, diplomáticas, econômica, educacional, cultural, da saúde, bem estar, ciência, técnica e de defesa.

Quero muito antes de entrar no tema em debate, relações internacionais, poder e política na África, trazer a tona da discussão, uma questão que para mim merece uma especial atenção. Permitam-me ler esta passagem do texto quanto às questões que tocam muito com a África no que respeita ao seu desconhecimento pela maioria que não são africanos.

Muito se questiona acerca dos problemas em África e possíveis soluções. Compreender aquele continente é tentar auscultar a História e tentar perceber a humanidade e a espécie humana. Saber que as populações que ali vivem têm um passado não-ocidental e, da mesma forma, não sujeito ao modelo de modernidade Europeu/Ocidental já é um grande passo para descortinar uma realidade muito além da compreensão da maioria dos não-africanos. Esta parte do globo engloba diferentes povos de várias culturas, costumes e modos de vidas diferentes, e só quem está dentro de cada realidade cultural vivendo-a é capaz de conhecê-la e interpretá-la. Pois existem muitos africanos embora vivendo em África não conhecem os costumes e muito menos a língua nativa do seu grupo étnico.

Partindo do conceito de relações internacionais, que visam o estudo sistemático das relações políticas, econômicas e sociais entre diferentes “atores” cujos reflexos transcendem as fronteiras de um Estado, isto é, tenham como lócus o sistema internacional.
Entre os atores internacionais destacam-se os Estados[3], as empresas transnacionais, as organizações internacionais e as organizações não-governamentais. As relações internacionais podem-se focar tanto na política externa de determinado Estado, quanto no conjunto estrutural das interações entre os atores internacionais.

Trantando-se de relações entre Estados que se estabelece com base no princípio de igualdade que segundo STRENGER[4] consiste no seguinte:
Todas as relações entre Estados nascem do fato inicial de seu reconhecimento mutuo. Reconhecendo-se mutuamente como soberanos, os Estados se reconhecem como juridicamente iguais no exercício de todas as prerrogativas inerentes a esta soberania: as relações futuras que derivarão desse reconhecimento se apoiarão sobre a base de uma perfeita reciprocidade de direitos e deveres. A responsabilidade dos Estados é, pois na ordem internacional o corolário obrigatório de sua igualdade (STRENGER: 1973 p.50).

O reconhecimento mutuo tem haver também com a idéia da independência[5] de um Estado em relação aos outros, permitindo a afirmação de acordos internacionais. Esse reconhecimento da independência é uma condição fundamental para o estabelecimento da soberania. A independência dos países africanos foi recente datada entre anos 1956 e 1960 e de forma particular as colônias portuguesas na década de 70. A partir deste período os países africanos começaram a exercer as suas soberanias no plano interno e internacional, reconhecidos como estados soberanos e independentes.

A proteção diplomática foi consolidada no século XIX, a partir do aumento dos investimentos dos países europeus e dos Estados Unidos no exterior, que levou os conflitos entre nacionais daqueles Estados e os novos países emergentes, em especial os da África e América Latina. Para CHARLES de Vischer, era necessária a proteção diplomática, já que nesses países não havia instituições sólidas, aptas a prestar justiça. Segundo o autor Belga, “a instabilidade de sua vida pública, comprometeu, muitas vezes, o funcionamento normal das instituições administrativas e judiciárias” (VISSCHER: 1953 p.339).

É verdade que em África a pós a independência houve um período de instabilidade política, porque o grande problema dos países africanos consiste da forma como o poder político foi concebido. O período colonial em África não deixou boa preparação para os africanos de maneira a poderem absorver a democracia. O regime colonial segundo Ki-Zerbo[6] era paternalista e autoritário, ou mesmo totalitário. Enquanto o povo africano submetia e obedeciam os colonizadores , estes aproveitaram-se das estruturas tradicionais da organização dos chefes e dos reinos para implantar o seu próprio poder. Os novos regimes africanos herdaram um sistema autoritário e brutal. A maioria dos dirigentes africanos que tomaram o poder nesse momento não eram verdadeiramente legítimos, não aprenderam a democracia, o que transformou os regimes do multipartidarismo para o monopartidarismo.

Os dirigentes da época tinham medo de serem depostos, e não se dedicaram ao multipartidarismo. Preferiram amordaçar os outros partidos mantendo o monopartidarismo. Este fato criou conflitos internos nesses países pelos sucessivos golpes de estados (KI-ZERBO: 2006 p.62).

As grandes questões da África estão em primeiro lugar na do Estado. O Estado africano mal consegue se formar e já é pressionado por instituições como o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI), exigindo que exista uma estrutura estatal cada vez menor, e a influência das empresas multinacionais impõe-se cada vez mais. Neste cenário a África não tinha tempo de criar um tipo de Estado semelhante ao europeu, e como conseqüência a criação dos regimes ditatoriais pelos dirigentes africanos.

Os dirigentes africanos hoje fazem do Estado, um Estado patrimonial ou étnico, que não é um verdadeiro Estado que transcenda os particularismos pelo bem comum. Que tipo de Estado acabará por sair dele?

Na África temos ainda a questão da unidade e da fragmentação, a África deve constituir-se através da integração que deve ser um processo com bases sólidas que permitem erguer as estruturas de produção e fomentar a paz e o desenvolvimento econômico e não uma integração a modelo do que se está vivendo hoje em África.

A África deve procurar pelo seu “ser” para um “ter” e não um “ter” de esmola, de mendicidade. É uma questão de identidade e do papel a desempenhar no mundo. Sem identidade somos um objeto da história, um instrumento utilizado pelos outros, um utensílio.
Segundo Ki-Zerbo, a identidade é como numa peça de teatro, em que cada um recebe um papel para desempenhar, e tem que desempenhá-lo de forma digna e convincente (Ki-Zerbo: 2006 p.12).

E nos estudantes africanos aqui presentes, será que procuramos manter ou ter uma identidade africana da nossa cultura aqui no Brasil?É uma questão que cabe uma reflexão e resposta por cada um de nós. Não podemos contentarmo-nos com os elementos culturais que recebemos do exterior, devemos forjarmo-nos para manter a nossa cultura, nossa língua, pois que ela é o elemento fundamental da nossa identidade. Somos forjados, moldados, formados e transformados através dos objetos manufaturados que vem dos países industrializados com as suas cargas culturais. Devemos lutar muito pela troca cultural eqüitativa.

2-Período Pré-Colonial
A África evoluiu como todos os outros povos do mundo e de maneira progressiva, desde os primeiros agrupamentos humanos da antiguidade Egípcia até ao século XVI, através das chefaturas, dos reinos, dos impérios cada vez mais importantes, isto é apesar das dificuldades representadas pelo deserto de Sahara que ocupa quase um terço do continente. O império de Mali[7] fundado pelo jovem mandinga Sundiata Keita conheceu um desenvolvimento notável com o seu sucessor Kanku Mussa, atestado pelos cientistas e viajantes da época, tinha integrado a escrita com o saber e o poder de civilização autóctone. Nos séculos XIII e XIV, a cidade de Tombuctu era a mais esclarecida que a maioria das cidades análogas da Europa. Escolarizada em árabe e em línguas subsaarianas. Ali lecionavam cientistas e professores de ensino superior que eram tão estimados no mundo da inteligência, tanto da África quanto do mundo árabe e da Europa, que os discípulos atravessavam o Sahara para ouvir os mestres de Tombuctu, Djenne e Gao.

A peregrinação de Kanku Mussa a Meca reabriu as fronteiras do Mali ao exterior, a partir deste fato histórico o Mansa (o rei) passou a receber embaixadores no seu império assinando acordos comerciais e político com os países do médio oriente. Era apenas para sublinhar que as relações da África com o resto do mundo não só começou na época moderna ou contemporânea, mas desde o período dos grandes impérios africanos.

A África começou a ser destruida no século XVI com a invasão dos povos do exterior, grandes intromissões com as “grandes descobertas” que em minha opinião não é uma descoberta, mas um “achado” da África ao sul do Sahara e da América latina. Essas descobertas levaram como todos sabem o trafico negreiro[8]. Este trafico custou dezenas de milhares de vidas aos africanos que foram arrancados e expedidos, em condições miseráveis para além do oceano atlântico. Nenhuma coletividade humana foi muito inferiorizada do que os negros depois do século XV.
O trafico de escravos foi o ponto de partida de desaceleração, um arrastamento, uma paragem da história africana. Se ignorarmos o que passou com o trafico dos negros, já mais compreenderemos nada sobre a África.


3-Período Colonial

A colonização foi à segunda forma de atrasar o desenvolvimento africano depois do trafico de escravos. Apesar de ser mais curta que o trafico de negros, mas foi mais determinante. O colonialismo substituiu por completo o sistema tradicional africano. Os africanos foram alienados, isto é, substituídos por outros, inclusive no seu passado. Os colonizadores fizeram ou prepararam um assalto à história africana. A África foi dividida, esquartejada na conferência de Berlim, realizada de 15 de Novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885, com o papel de fornecer matérias-primas para os colonizadores. Esta exploração vigora até hoje com as novas idéias de globalização. Repara-se que durante a colonização[9] o sistema das relações era bipolar, apenas do colonizador com o colonizado, não havia o estreitamento de relações por parte dos países africanos com outras potencias. Por outras palavras podemos dizer que não havia Estados independentes em África o que possibilitaria a sua soberania e conseqüentemente o estreitamento dos laços de cooperação com outros países e outras organizações internacionais, simplesmente podemos dizer que este período era de submissão do povo africano aos colonizadores.

No campo político os africanos foram levados a combater contra o nazismo e o fascismo na Primeira e Segunda Guerra Mundial.

4-Período pós-colonial

Durante os anos noventa, a posição da África no mundo mudou profundamente. As relações bilaterais (bipolares) exclusivas com uma potência, antigas metrópoles coloniais ou bastião revolucionário desapareceram, ou seja, deu-se o fim do sistema bipolar de dependência da colônia a metrópole. Esta modificação operou-se a favor de multilateralização[10] das relações políticas, diplomáticas e econômicas. O poder dos países colonizadores, que dominavam a África desde os fins do século XIX foi posto em xeque. Apesar de continuar a ter as suas raízes, é abalada por novas forças: forças internas africanas e forças externas representadas pelas potências economicamente fortes, as multinacionais e as organizações internacionais. As organizações internacionais como o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comercio (OMC), intervêm cada vez mais, eles não são dependentes dos países colonizadores. Em certos aspetos cooperam com esses países.

Do ponto de vista econômico, há uma espécie de nivelamento, de reciprocidade e reposicionamento geral de todos os atores na África, ou seja, todos os países europeus e essas instituições partem em igual posição quanto à cooperação com os países africanos. Nestes aspetos deu-se a multilateralização das relações dos países africanos com os países e as organizações internacionais em que nem sempre os ex-colonizadores são maiores beneficiários, mas que a todo custo tentam sempre manter as suas posições e os seus interesses. Os interesses destes países estão dissimulados nos interesses das empresas multinacionais que passam a ter o protogonismo na exploração dos recursos naturais africanos. As organizações internacionais e as multinacionais atuam cada vez mais no lugar dos Estados. A maioria dos conflitos em África deve-se ao fato da intervenção destas empresas multinacionais, financiando rebeliões armados no interior dos Estados africanos com o fito de tirar proveito no caso da vitória do seu aliado.

Do ponto de vista político e econômico, a África não poderá desenvolver enquanto continuar haver esse tipo de intervenção por parte dos países desenvolvidos.
Não podia terminar a minha comunicação sem antes de fazer uma critica a comunidade internacional quanto ao modo da sua intervenção ou atuação em África.

A comunidade internacional deve perceber antes de tudo, que os povos africanos foram vítimas históricas da globalização européia, desde os “descobrimentos” portugueses, para depois reconhecer que os danos causados pelas ações já postas em prática para “salvar a África” da guerra, da fome, dos regimes ditatoriais e etc. - só podem ser superados quando não houver mais, porque, em pleno século XXI, é inadmissível imaginar que os africanos são incapazes (jurídico-antropologicamente) de resolver os seus problemas. Enquanto houver uma mão européia a tentar guiar a África, ela sempre continuará a viver os seus problemas.

O Ocidente poderia ajudar o continente africano a enfrentar seus problemas através de uma série de políticas comprometidas com o desenvolvimento sustentável, mas não com as práticas atuais de usar discursos vazios de democracia, desenvolvimento e fornecer recursos “humanitários” limitados. Por outro lado, com tráfico de drogas, negócios sujos das multinacionais, como por exemplo, compra de diamantes de grupos terroristas. São esses problemas que continuam a alimentar guerras entre os povos africanos.

5-Conclusão:

A África é o continente mais fustigado pela ocupação européia, desde os descobrimentos que levou o trafico de negros, seguindo-se a colonização que permitiu a retirada das matérias-primas da África para o desenvolvimento das indústrias européias. A política em África é mal concebida devido que durante a colonização não permitiram os africanos participarem na administração dos seus territórios, destruindo de forma brutal as estruturas tradicionais horas existentes. Houve perda da consciência do Estado após a independência devido à instauração dos regimes ditatórios pelos partidos libertadores. Mas estamos convictos de que este paradigma vai mudar com as novas forças de cada país africano: “Se canua can cadja no na tchiga”. Crioulo da Guiné-Bissau.


6-REFERÊNCIAS

1-ANDRÉ de Carvalho Ramos. Direitos Humanos em Juízo. Comentários aos casos contenciosos e consultivos da Corte interamericana de Direitos Humanos, São Paulo, Ed. Max Limonad, 2001.

2-BAHIA, Saulo José Casali. Tratados Internacionais no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

3-KI-ZERBO, Joseph: Para quando a África? Entrevista com René Holenstein. Rio de Janeiro, Pallas: 2006.

4-STRENGER, Irineu. Responsabilidade do dano em Direito Internacional privado, São Paulo: RT, 1973.
5-VISSCHER, Charles: de Théories et réalités em Droit International Public, 2ª Ed., Paris: Pédone, 1953.
6- Organização da Unidade Africana, http://www.infopedia.pt/$organizacao-de-unidade-africana-(oua).
Tratado de direito penal.
[1] Graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Bissau (FDB), Mestrando em Direito Público (UFBA) e Promotor de Justiça da Guiné-Bissau.
[2] A Organização da Unidade Africana (OUA) foi criada a 25 de Maio de 1963 em Addis Abeba, Etiópia, por iniciativa do imperador Etíope Haile Selaissie através da assinatura da sua constituição por representantes de 32 governos de países africanos independentes. Foi substituída pela União Africana a 9 de julho de 2002. http://www.infopedia.pt/$organizacao-de-unidade-africana-(oua), acesso 22/05/2009.
[3] Estado é uma instituição organizada política, social e juridicamente, ocupando um território definido, reconhecida tanto interna como externamente. Um Estado soberano é sintetizado pela máxima um governo, um povo, um território. O Estado é responsável pela organização e pelo controle social, pois detem o monopólio legitimo do uso da força (coerção, especialmente a legal).
[4] STRENGER, Irineu. Responsabilidade do dano em Direito Internacional privado, São Paulo: RT, 1973.
[5] Independência é a disassociação de um ser em relação a outro, do qual pedendia ou era por ele dominado; É o estado de quem ou do que tem liberdade ou autonomia.
[6] KI-ZERBO, Joseph. Para quando a África?: entrevista com René HOLENSTEIN. Rio de Janeiro: pallas, 2006, p.61.
[7] KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra, Vol.II, 1990.
[8] (...), depois do genocídio dos índios na América, o trafico custou à vida de dezenas de milhões de africanos, que foram arrancados a este continente e expedidos, em condições atrozes, para do Oceano Atlântico. (...) Foram encomendados escravos negros aos milhões; utilizaram-se os negros como produtores de outros negros, em “coudelarias” constituídas para produzir novos negrinhos para o trabalho nas plantações. Quantas crianças africanas foram jogadas dos navios, ou abandonadas nos mercados de escravos, longe das mães que eram levadas, porque era preciso muito tempo para alimentá-las até que fossem exploráveis?(KI-ZERBO, Joseph: Para quando a África? Entrevista com René Holenstein. Rio de Janeiro, Pallas: 2006 p.24).
[9] (...), O “pacto colonial” queria que os países africanos produzissem apenas produtos em bruto, matérias-primas a enviar para o Norte, para a indústria européia. A própria África foi aprisionada, dividida, esquartejada, sendo-lhe imposto esse papel: fornecer matérias-primas. Esse pacto colonial dura até hoje. Se analisarmos a balança comercial dos países africanos, veremos que 60% a 80% do valor das suas exportações são matérias-primas, para alguns deles, é o cobre, para outros é o bauxite, o urânio ou o algodão (KI-ZERBO, op.set.p.25).
[10] BAHIA, Saulo José Casali. Tratados Internacionais no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.24.